O último filme que vi e falava sobre o processo criativo de um livro foi “As Horas”, aquele, do nariz da Nicole Kidman. É muito bom, mas fica nos lugares-comuns dessas histórias: cigarro, agonia, loucura, deslocamento. “Capote” fala sobre a criação de “À Sangue Frio”, clássico instantâneo da literatura contemporânea, que mudou a forma de se fazer romance, escrito pelo jornalista Truman Capote.
Ele, morador de Nova York, culto, egoísta, egocêntrico, megalômano e colaborador da revista New Yorker, era também autor e tinha passe livre nas altas rodas da metrópole. Chamava atenção onde quer que fosse, e ainda mais na pequena cidade no interior dos Estados Unidos onde se passa a trama, principalmente por um motivo: era gay assumido. Na década de 50 isso era muito mal-visto, ainda mais com os trejeitos, voz fina e afetações que Capote demonstrava. Mesmo hoje seria motivo de chacota e risos abafados.
Falar da atuação de Philip Seymour Hoffman nesse filme já é padrão. O ator (que, pra quem não se lembra, era o cara do aparelho o enfermeiro do velho moribundo em “Magnólia”) encarna o personagem de forma mediúnica. Philip copia tudo, inclusive os tiques nervosos. Li que ele continuava a falar e agir como Capote mesmo fora do estúdio! É fantástico.
Outros atores estão muito bem nesse filme. Destaco Catherine Keener, como a amiga e também escritora Nelle Harper Lee (autora de “To Kill a Mockingbird”) e Clifton Collins Jr., no papel de Perry Smith, um dos dois assassinos. Certamente ele mereceria o Oscar de ator coadjuvante, mas sequer foi indicado.
Numa manhã, Capote viu a notícia do assassinato de uma família no Kansas e resolveu cobri-la para a New Yorker. Chegando lá, decidiu que aquela não era uma simples história e poderia se tornar um livro. Com a ajuda de Lee, de sua fama e de sua inteligência, conseguiu fazer contatos e chegar aos então já conhecidos assassinos. Ele cria uma relação com os dois e, em especial, com aquele que teve infância parecida com a sua.
Percebemos o estilo do jornalista. Ele mentia para quem fosse necessário mentir, sofria com o caso dos assassinos e depois bebia uísque com seus amigos abastados em Nova York, era muitas vezes dissimulado. Truman passou a viver o conflito de querer salvar os condenados à pena de morte e, ao mesmo tempo, desejar ver seu livro terminado com o desfecho mais emocionante — o que aconteceria apenas quando a dupla fosse morta na forca. Isso fica muito claro quando Nelle responde, depois dele dizer que não poderia ter feito nada para salvá-los: “Talvez não, Truman. Mas a verdade é que você não queria fazer nada”.
A previsão de que “À Sangue Frio” se tornaria um sucesso e mudaria os rumos da literatura estava certa. No entanto, Capote não imaginou que ele próprio se destruiria, depois de anos em dedicação exclusiva para escrever o livro, e não conseguiria terminar mais nenhuma obra. Aquela foi a última de sua prodigiosa carreira.