Archive for setembro, 2006

Brancura insondável

setembro 29, 2006

No começo do mês, uma notícia chamou a atenção dos que se interessam por cinema e/ou literatura: Fernando Meirelles, diretor de “Cidade de Deus” e “O jardineiro fiel”, foi escolhido pela produtora inglesa Potboiler Productions para dirigir “Blindness”, que no título original é “Ensaio sobre a cegueira”. Sim, a adaptação do livro escrito por José Saramago, o simpático senhor abaixo.


Meirelles, que tem um trabalho honesto como diretor, já era interessado pelo texto há tempos e havia tentado adquirir os direitos em 1997. Naquele ano Saramago disse que seria difícil transformar em imagens uma história sobre cegueira. Esse é o ponto.

Se eu apenas recontar a história, se transformar os cegos em zumbis, o longa será um erro, vai soar como um filme de gênero, de terror ou de ação, com um subenredo de vingança, o que seria uma desculpa para violência gráfica, como em muitos filmes americanos. Isto não seria fiel à obra. O tema essencial do livro é a dignidade humana. E como os artifícios para mantê-la, na nossa sociedade, são frágeis.

Adaptá-la será uma tarefa bastante difícil. Como trazer para a tela do cinema todas as sensações que o livro traz? Mostrar os cegos caminhando pelas ruas como se fossem zumbis realmente não deverá ser uma opção. Tampouco acredito que seja interessante encher nossa visão com imagens brancas (uma “brancura insondável”, segundo o narrador) para imitar a doença que acomete as pessoas da cidade.

Foi o primeiro livro do Saramago que li, com certeza por também ser o mais popular. No começo fiquei um pouco incomodado com seus longos parágrafos mas rapidamente me acostumei e não conseguia mais largá-lo. Vou confiar no trabalho do Fernando Meirelles e em 2008 espero assistir a algo tão bom quanto aquilo que pude ler no texto impresso.

Diálogos do Cotidiano

setembro 28, 2006

– Tem uma rua com o nome do meu vô.
– Sério? Qual o nome?
– É… Ahn…
– Você não sabe o nome do seu vô?!?
– É que… Ah! Ele tem o mesmo sobrenome da minha vó…
– …
– É…
– Você não sabe???
– É que eu tenho dois avôs e…
– !!!

Maravilhas da Humanidade

setembro 25, 2006

Para inaugurar a nova série, presto uma homenagem a uma das influências mais impactantes do mundo católico em minha vida.

Abençoadas sejam as freirinhas carmelitas do monastério belga de Dendermonde, que em 1679 inventaram a maravilhosa Tripel Karmeliet cerveja de cevada, aveia e trigo fermentada na própria garrafa. Como um vinho, esta cerveja é frutada e possui um sabor encorpado e adocicado, certamente uma das melhores coisas que já bebi na vida. Não há dúvidas de que não se fazem mais freirinhas como antigamente…

Diálogos do Cotidiano

setembro 25, 2006

– Você sente tesão em ver dois homens se beijando?
– Como assim?
– Tipo… Edson Celulari com o Alexandre Borges.
– O nadador?
– Não, o da novela.
– Hm…
– Deixa eu falar numa linguagem que você entende… Tipo… o príncipe da Branca de Neve com o príncipe da Cinderela.
– Hum… não… Mas o Alladin com o Eric, príncipe da Pequena Sereia…
– Mas ele não era um peixe?

Sai Aninha, entra Gabi

setembro 25, 2006

Manifesto por um pouco de luxo neste mundo.

Mundinho

setembro 24, 2006

Pra falar a verdade, não li “O diabo veste Prada”, livro de Lauren Wesiberger, moça que trabalhou como assistente de Anna Wintour, toda-poderosa editora da revista Vogue nos Estados Unidos. Apesar disso, vi o filme homônimo, dirigido por David Frankel. Personagens mantidos, rápida (e desimportante) participação de Gisele Bündchen e voilà, tem-se a versão aguada do romance.

Aqui, Andrea é uma jovem jornalista recém-formada cujo sonho é trabalhar na New Yorker ou na Vanity Fair. Pelas brincadeiras do destino acaba caindo na fictícia revista Runaway, bíblia da moda no mundo do filme, e trabalhando para Miranda Priestly, editora/ditadora que manda e desmanda nos seus subordinados. Ela o faz não porque é má, mas porque pode.

Toque cômico: Andrea não conhece sua futura chefe, não se interessa por moda e só queria escrever textos intelectualóides. Acha tudo ali muito fútil e não entende qual é a importânica desse mercado “que movimenta bilhões de dólares”, segundo diz outro personagem. Aos poucos ela se transforma numa das “saltinhos”, as seguidoras de Miranda.


Nesse ponto a gente já pode começar a analisar o comportamento da pequena Andy e a fragilidade do roteiro. Ela entrou para a Runaway com a desculpa que “um ano aqui pode abrir muitas portas” e, por isso, promete agüentar firme os chiliques e desejos incríveis da editora — coisas como café muito quente do Starbucks em cima da mesa, steak de um restaurante específico, o manuscrito do novo Harry Potter etc.

Como era de se esperar, ela muda e com o tempo seus amigos não mais a reconhecem, ela briga com o namorado e passa a viver e respirar o trabalho. “Eu não tive opção”, repete a jovem.

(Momento da reflexão. Muitos hoje vivem situações parecidas com a da personagem. Mal saídos da faculdade (às vezes sequer saídos) vão trabalhar em empresas que sugam toda sua energia com a desculpa de que isso abrirá muitas portas. O pacote de resultado é sempre o mesmo e conta com o fim da vida social, conflitos com pessoas próximas etc. Até que ponto isso vale a pena?)

Com toda sua sabedoria, Sra. Priestly diz que não é bem assim e, se Andrea está ali, é porque quis e optou. A transformação é marcada por, adivinhe, “Vogue”, na participação musical de Madonna. Um filme sobre moda não poderia deixar a oportunidade passar.

Esse é o lado humano da personagem de Merryl Streep. Disse que queria testar alguém diferente de todas as outras que passaram por ali e, com isso, acolheu a mal-vestida Anne Hathaway. De certa forma, queria transformá-la. Era um desejo inconsciente que fica bastante claro mais tarde, quando ela chora no ombro de sua assistente e diz que as duas são iguais.

Não sei se o filme é fraco ou se o livro já o era também. Na versão cinematográfica, esse problema fica gritante a partir de Paris, a cidade-luz ilustrada por “City of blinding lights”, do U2, numa opção bastante sem graça. No fim, o Diabo acabou por ficar bastante sensível e a mocinha termina feliz.

É divertidinho com suas tiradas engraçadas e trilha sonora ultra-pop. Prevejo reassisti-lo no médio prazo numa Sessão da Tarde muito chique com seus sapatos Jimmy Choo e bolsas Marc Jacobs. Até lá eu talvez já tenha aprendido quem são esses nomes.

Eles usavam All Star

setembro 23, 2006

I don’t know where I’m going
I don’t want to see
I feel the world below me
Looking up at me

Leave the sun behind me
And I’ll watch the clouds as they sadly pass me by
And I’m in perpetual motion
And the world below doesn’t matter much to me

Depois do cinema trash (com “Serpentes a bordo”), fui ver “Amantes constantes”, novo filme do diretor francês Philippe Garrel — uma resposta a “Os sonhadores”, de Bernardo Bertolucci. Ambos falam, claro, do que aconteceu em 1968 na França.


Não que Garrel não tenha gostado da obra do colega italiano, muito pelo contrário. Ele quis mostrar aquilo que ele acha importante e que não teve destaque na história dos três jovens que passaram a revolução com brincadeiras sexuais dentro de casa. Para deixar a idéia de resposta bem clara, o diretor convidou seu filho, Louis Garrel, para assumir o papel de François, o poeta de vinte anos que quer mudar o mundo. Louis era um dos três jovens no filme de Bertolucci.

Não há exatamente uma história e o que existe é a idéia do refluxo pós-revolução e tudo que ele traz. Nas três horas o diretor tenta mostrar o lado mais pessoal dos conflitos que surgiram e, para isso, usa o círculo de amizades de François. Muitas cenas são longas, com a câmera parada, mostrando pouco movimento e dando oportunidade para pensar. No fim você não tem as respostas para os questionamentos, mas apenas algumas poucas certezas sobre o comportamento humano.

A fotografia é belíssima. É uma pena que as legendas brancas sobre fundos brancos fiquem invisíveis e je l’étudie, mais je parle seulement un peu de français, sabe como é?

De qualquer maneira, ainda prefiro “Os sonhadores” porque tinha todo aquele background cinematográfico e o ar parisiense. A linda Clotilde Hesme ajuda no cheiro de nouvelle vague, mas nada como o charme de Eva Green. Se te dá preguiça só de pensar em ver algo em preto e branco durante três horas, assista ao menos à ótima cena da dança animada pela música da epígrafe — “This time tomorrow”, do Kinks.

Biblioteca Básica

setembro 22, 2006


A Editora Globo lança, baseado na série de matérias do Fantástico, “E eu com isso?”, um livro que fala sobre política e tem uma capa peculiar onde você pode, talvez, até encontrar um conhecido.

We’re gonna burn this city

setembro 17, 2006

Na sexta à noite chegou a notícia que o Motomix havia sido cancelado por falta de alvará. Começou minha peregrinação atrás de informações, todas desencontradas. Às 14h do sábado confirmaram: continua (quase) tudo igual. O lugar é o mesmo, mas agora as apresentações seriam em dois dias. Ok. Não vou comentar o caso.

Cheguei umas 20h30 no Espaço das Américas e os portões seriam abertos às 21h. Uma chuva fina caía naquele momento e capas (digo, sacos plásticos) eram vendidas por cinco reais. Uma vez lá dentro, já fui para o palco para guardar um bom lugar. Claro que não bebi o Campari Energy que era distribuído gratuitamente. Desde a primeira vez que o experimentei, numa festa da Circuito, decidi que nunca mais beberia aquilo. Inclusive não conheço pessoa alguma que goste.

As apresentações começaram com o show do Motomix Project Band, que foi interessantezinho nos primeiros quinze minutos, com batidas eletrônicas e graves pesados. Então entraram duas mulheres e um cara com chapinha pra fazer uma espécie de Cansei de Ser Sexy cover. Acabou logo depois, pra dar lugar à Annie.

Essa moça escandinava é muito simpática. Conversou, disse que tinha vindo de longe apenas pra tocar pra gente etc. Não gostei e parece que boa parte do pessoal também não. Ao perguntar “are you having fun?” teve de ouvir um sonoro “nooooo!!!”. Foi hostilizada, disse que o show tinha sido ótimo e tirou foto com a platéia.

Durante o próximo show, do Art Brut, percebi que o povo pseudo-indie tinha feito a lição de casa. Sabiam boa parte das letras e conheciam os sucessos (se é que já podem ser chamados assim) dessa banda britânica. O vocalista foi simpaticíssimo e nos deu dicas de relacionamento: “se seu namoro não tá dando certo, desencana e procura outra pessoa”, disse com forte sotaque. Também homenageou Sepultura e, ah, CSS.

Esperamos durante meia hora apertados, com muito calor e alguma água que era jogada pelos seguranças. Finalmente a cortina se abriu e o Franz Ferdinand começou tocando “This boy”. Seguiram com “Come on home” e “Auf auchse” para chegar no primeiro megahit da noite, “Do you want to”. Aliás, é incrível como o FF só tem hits. “São Paulo, do you want to?”, perguntou Alex Kapranos, e a galera foi ao delírio. Seis mil pessoas cantando juntas e dançando em todas as músicas.

Se aproximando do fim, tocaram “Outsiders” com o pessoal do Art Brut, a Annie, equipe técnica, os caras do Radio 4 (que seria a próxima atração) e um fã tirado da platéia. O som era muito alto, ao contrário do que acontece na maioria dos festivais de música. Quando começaram com “This fire”, todos gritavam e pulavam.

Um teclado foi doado para as pessoas próximas ao palco e depois começou a destruição: foi-se a bateria, jogaram baquetas, palhetas, toalhas e um par de tênis. Por isso que defendo a necessidade de estar no meio das pessoas, o mais perto possível do palco. Fazer parte da muvuca vale cada empurrão. Sensacional.

Prometo que é o último!!!

setembro 17, 2006

Apenas aproveitando para postar aqui a versão integral de um texto meu que foi publicado no site de cultura da Faculdade Cásper Líbero. E prometo que este é o meu último post sobre a peça Os Sertões (afinal, é o sexto em um mês).

Atuar pra poder voar
Por Maurício Alcântara, do grupo de teatro Sagomadarrea

Está chegando a primavera. Na Grécia antiga, este era o momento de realizar grandes festas de celebração a Dionísio, deus do vinho e protetor do teatro. Graças a algumas das melhores companhias teatrais de São Paulo, aqui não é muito diferente, e um dos lugares onde estas festas já começaram é Teatro Oficina, ilha de resistência cultural em um quarteirão onde o Grupo Silvio Santos deseja construir um shopping center.

No dia 14 de agosto o edifício projetado por Lina Bo Bardi completava 45 anos. O público se aglomerava na porta aguardando o início do espetáculo, quando foi surpreendida por um elenco gigantesco que abria as imensas portas, vinha até a rua com sua batucada catártica, cantando e chamando a todos para entrarem juntos e dançando. Tratava-se do início de “Os Sertões: A Terra”, primeira das cinco partes que compõem a adaptação do livro de Euclides da Cunha para o palco. Ou melhor, para o palco não: para o terreiro eletrônico do Oficina. Mais que isso, era a abertura de uma temporada histórica: após seis anos de trabalho árduo, temporadas lotadas e muito sucesso, pela primeira vez entram em cartaz ao mesmo tempo todos os cinco espetáculos.

Talvez eu devesse ter escrito este texto sobre Os Sertões quando o projeto foi iniciado, há seis anos. Talvez a esta altura falar da obra, do trabalho do Oficina e sobretudo da genialidade de José Celso Martinez Corrêa seja chover no molhado. Mas o fato é que estou deslumbrado o suficiente para ignorar tudo isso e recomendar fortemente um espetáculo tão grandioso e empolgante. Além disso, este é o melhor momento para acompanhar a saga de Antônio Conselheiro e da guerra de Canudos: não será preciso aguardar um ano para assistir à próxima parte.

Mas para não ser pego de surpresa, quem quiser assistir à hipnotizante montagem precisa esquecer todos os conceitos e referenciais de teatro que já viu na vida. Absolutamente nada do que acontece lá dentro é convencional, até as horas passam de maneira diferente. Esqueça as cadeiras acolchoadas, lugares numerados, palcos italianos. Use tênis, roupas confortáveis e de preferência não muito novas, pois há chances de você se sujar ou se molhar. Não conte com a tradicional e paulistana pizza pós-teatro, porque você vai sair no meio da madrugada e já estará tudo fechado. E o principal: vá preparado para interagir com os atores o tempo todo. E não tenha medo: eles até mordem, mas não machucam ninguém.

Certamente essa descrição é apavorante para a maioria das pessoas que não está acostumada com um teatro tão vanguardista – eu mesmo demorei para assistir ao primeiro espetáculo por puro receio. Mas quem vencer este medo e ousar pisar naquela passarela ao menos uma vez, certamente ficará enfeitiçado por aquele mundo catártico e orgiástico, e vai querer voltar para ver todas as cinco peças – talvez até mais de uma vez. Basta entrar de coração aberto e se entregar para aquele teatro visceral, e com certeza vai sair caminhando nas nuvens.

Leia também meus textos para cada uma das partes da peça:
Os Sertões – A Terra
Os Sertões – O Homem I
Os Sertões – O Homem II
Os Sertões – A Luta I
Os Sertões – A Luta II