Não é a primeira vez que está em cartaz em São Paulo a peça Psicose 4h48, da dramaturga inglesa Sarah Kane. A primeira vez que li a respeito da peça, foi quando ela embarcou em uma curtíssima temporada com ingressos esgotados, com intepretação da atriz Isabelle Huppert. Lembro-me que me chamou a atenção por saber que a atriz ficava imóvel praticamente todo o espetáculo. Depois, teve montagem com atores ex-CPT (de Antunes Filho), e agora é a vez da curitibana Marcos Damasceno Companhia de Teatro mostrar o texto de Kane. E desta vez eu finalmente consegui assistir.
Acho que não há definição do texto mais justa do que uma que eu ouvi ou li em algum lugar: é um fluxo de consciência. Não há um enredo com começo, meio e fim, não há uma história. O que existem são sentimentos, pensamentos, desespero, uma consciência desesperada para ser expelida de um corpo que sofre. Na peça, uma mulher na mais profunda depressão conversa com seu médico, que na verdade não é seu médico, é o mundo exterior: a família, os amigos, a sociedade, inclusive os médicos. Ela não tem forças para continuar sua vida e não consegue interrompê-la. Coragem, covardia ou culpa são conceitos simplórios e maniqueístas que não se aplicam na hora de criar definições que também não se aplicam.
A montagem traz alguns elementos dos que eu mais gosto no teatro alternativo. Não há palco italiano: a sala, normalmente usada para ensaios, possui um forro que imita mármore, e a platéia se senta em um semicírculo em volta desta superfície, como se compusesse as paredes da sala. Em cena, apenas uma cadeira de rodas, uma cadeira comum e uma caixa de remédios: o ambiente remete a um hospital. O público entra e toma seus lugares ao som de Radiohead. Depois de alguns minutos um cara da platéia se levanta e calmamente caminha em direção à cadeira comum e se senta. Mais alguns minutos, a mulher sentada ao meu lado se levanta e se senta na cadeira de rodas. Os personagens eram pessoas como nós, pessoas que poderiam ser qualquer um de nós. O cara que estava sentado à minha frente e a mulher que estava sentada justamente ao meu lado. Pessoas invisíveis, em que não reparamos no dia-a-dia.
Destaques para o texto denso, fragmentado e levemente beckettiano de Kane, para a trilha sonora quase que integralmente composta por músicas do Radiohead (uma de minhas bandas preferidas – inclusive, a peça usa uma das músicas que eu sempre me imaginei usando no teatro: How to disappear completely, em uma cena mais que adequada). E o maior mérito por eu ter saído emocionado do teatro é sem a menor sombra de dúvida da atuação de Rosana Stavis, primorosa, brilhante.