Archive for junho, 2006

O que você dá aos seus amigos que faz com que eles te apoiem tanto?

junho 26, 2006

Não é a primeira vez que está em cartaz em São Paulo a peça Psicose 4h48, da dramaturga inglesa Sarah Kane. A primeira vez que li a respeito da peça, foi quando ela embarcou em uma curtíssima temporada com ingressos esgotados, com intepretação da atriz Isabelle Huppert. Lembro-me que me chamou a atenção por saber que a atriz ficava imóvel praticamente todo o espetáculo. Depois, teve montagem com atores ex-CPT (de Antunes Filho), e agora é a vez da curitibana Marcos Damasceno Companhia de Teatro mostrar o texto de Kane. E desta vez eu finalmente consegui assistir.

Acho que não há definição do texto mais justa do que uma que eu ouvi ou li em algum lugar: é um fluxo de consciência. Não há um enredo com começo, meio e fim, não há uma história. O que existem são sentimentos, pensamentos, desespero, uma consciência desesperada para ser expelida de um corpo que sofre. Na peça, uma mulher na mais profunda depressão conversa com seu médico, que na verdade não é seu médico, é o mundo exterior: a família, os amigos, a sociedade, inclusive os médicos. Ela não tem forças para continuar sua vida e não consegue interrompê-la. Coragem, covardia ou culpa são conceitos simplórios e maniqueístas que não se aplicam na hora de criar definições que também não se aplicam.

A montagem traz alguns elementos dos que eu mais gosto no teatro alternativo. Não há palco italiano: a sala, normalmente usada para ensaios, possui um forro que imita mármore, e a platéia se senta em um semicírculo em volta desta superfície, como se compusesse as paredes da sala. Em cena, apenas uma cadeira de rodas, uma cadeira comum e uma caixa de remédios: o ambiente remete a um hospital. O público entra e toma seus lugares ao som de Radiohead. Depois de alguns minutos um cara da platéia se levanta e calmamente caminha em direção à cadeira comum e se senta. Mais alguns minutos, a mulher sentada ao meu lado se levanta e se senta na cadeira de rodas. Os personagens eram pessoas como nós, pessoas que poderiam ser qualquer um de nós. O cara que estava sentado à minha frente e a mulher que estava sentada justamente ao meu lado. Pessoas invisíveis, em que não reparamos no dia-a-dia.

Destaques para o texto denso, fragmentado e levemente beckettiano de Kane, para a trilha sonora quase que integralmente composta por músicas do Radiohead (uma de minhas bandas preferidas – inclusive, a peça usa uma das músicas que eu sempre me imaginei usando no teatro: How to disappear completely, em uma cena mais que adequada). E o maior mérito por eu ter saído emocionado do teatro é sem a menor sombra de dúvida da atuação de Rosana Stavis, primorosa, brilhante.

Diálogos do Cotidiano

junho 26, 2006

– Eu era mais nova e fui assistir “Quem vai ficar com Mary”.
– hm.
– Foi aí que eu descobri o que era o líqüido branco que sai do pênis.
– ???
– Tem aquela cena em que a gosma fica pendurada na orelha do personagem. Perguntei pra minha mãe o que era. Ela respondeu “é porra”.

Multimídia

junho 25, 2006

Desde cedo tive medo, muito medo, daqueles considerados “artistas multimídia”. Geralmente eles usam vídeos e som em suas instalações ultra-contemporâneas nas exposições e me deixam boquiaberto com a capacidade de se gastar energia elétrica tão facilmente. Numa das últimas Bienais havia uma televisão que passava constantemente, em repetição contínua, a construção (ou desconconstrução, não me lembro) de um barco de madeira. A obra terminava aí.


Miranda July, a moça da foto acima, é um desses artistas. A simples idéia de assistir a um filme dela me deixou preocupado, mas andaram falando tão bem de “Eu, você e todos nós”, ganhador de vários prêmios, que resolvi comprar o ingresso. Pra minha sorte, não me arrependo de tê-lo visto. Seguindo uma linha “Encontros e Desencontros”, é um filme em que nada acontece.

Christine (interpretada pela própria Miranda July) é, veja só, uma vídeo-artista problemática e conhece Richard, vendedor de sapatos recém-separado e problemático. Ele tem um vizinho gordo problemático que cria sonhos eróticos com duas meninas (problemáticas) da vizinhança, que usam o filho do Richard como cobaia num experimento, que tem um irmão muito esperto aos seis anos de idade. Há também Sylvie, uma menina com problemas e um pouco mais velha que o garoto pequeno.

O filme é formado a partir de várias pequenas histórias envolvendo os personagens e tem algumas cenas maravilhosas, como a caminhada de Christine e Richard até o carro, a conversa do filho mais velho dele com a vizinha pequena e, meu destaque, o passeio do peixe dourado em cima dos carros. Certas falas também me fizeram sorrir, como Richard contando que “estou preparado para coisas incríveis acontecerem” e Silvye dizendo ao filho mais velho que, se não houvesse gravidade e ele morasse no teto do quarto, “todas as coisas cairiam em cima de você, te soterrariam e você morreria”. Se não fosse clichê, eu diria que é de sutileza única.

Tecnologia ridícula

junho 23, 2006

O Ig Nobel é aquele concurso que premia as contribuições mais estúpidas dos cientistas. Nesta semana descobri uma dessas contribuições que bem poderia levar um prêmio. É o Zumbitone, um toque de celular “inaudível” por adultos, porém, segundo meus testes, perfeitamente audível por qualquer pessoa. O tal ringtone é a versão brasileira do Mosquitotone, febre na Europa.

É ridículo porque qualquer um ouve e, pior, se for pros adultos não ouvirem o toque, por que o adolescente não deixa no modo vibratório? Não entendo. Ouça e faça o teste você também.

A vetivéria levanta vôo!

junho 21, 2006

Todo mundo que trabalha com comunicação sabe que press-releases sempre trazem informações ridiculamente desnecessárias e floreadas. Todo mundo menos quem os escreve, obviamente. Já trabalhei diretamente com várias assessorias de imprensa e nunca entendi o porquê de textos tão forçados, com uma carga descontrolada de linguagem pseudo-persuasiva. Estes textos poderiam perfeitamente ser roteiros para anúncios do Polishop. Isso sem mencionar todos os erros gramaticais e ortográficos grotescos que sempre aparecem.

Outro dia, inocentemente procurando algumas coisas para uns amigos me trazerem do free-shop, me deparo com um mundo que até então eu desconhecia: o maravilhoso mundo dos releases de perfumes. Percebi naquele momento que a vida inteira estava buscando a carreira errada, e que definitivamente não quero mais ser escritor de orelha de livro e nem mesmo fotógrafo de paisagens de videokê. Minha nova profissão dos sonhos é escritor de release de perfume. Veja abaixo algumas pérolas maravilhosas que achei:

Smells Like James Bond: O homem Polo Black é seguro e moderno, sexy e sofisticado. Sua casa é um loft. Seu hobby, a velocidade de um conversível. Um estilo elegante e contemporâneo, uma atitude urbana e confiante. Polo Black explora os prazeres e as paixões de um homem. (…) O resultado é intrigante, sexy, misterioso e ligeiramente perigoso. “Há uma sensualidade no homem Polo Black. Ele é sexy e seguro – exatamente como o perfume”, diz Ralph Lauren. O frasco de Polo Black é masculino e moderno. Inspirado na assinatura do design de Polo, tem uma reinterpretação contemporânea com uma tampa prata e o símbolo de Polo em tamanho oversized.

Cheirinho de Revolução Francesa: Uma fragrância para quem aproveita a liberdade com alegria de viver. Com CK One, Calvin Klein mudou a maneira de homens e mulheres usarem perfumes no mundo. Seu aroma é obtido por uma inigualável combinação de nada menos que 11 essências nobres. Pessoas inovadoras de ambos os sexos o usam como uma afirmação da maneira como vivem o mundo moderno: com liberdade, alegria, a alma leve e descontraída.

Praticamente um filme: (…) Após 10 anos do lançamento de L’Eau d’Issey Masculino, Issey Miyake conta uma nova história de mistério, profundidade e atração. Um convite para descobrir um universo de sensações, contrastes e emoções. L’Eaud’Issey Bleue Masculino é um símbolo de água, vida, energia e pureza. Viaje em um mundo de novas descobertas!

Auto-ajuda engarrafada: Tudo azul, toda paz e toda liberdade de ser autêntico. O amor próprio enaltecido como razão de existir. Tudo que o homem Blue quer ser é ele mesmo, livre de fórmulas mágicas e apelos materiais. O Blue promove o encontro do homem com ele mesmo. Esse desejo em ser autêntico e valorizar o amor próprio é o brilho natural que seduz e apaixona as mulheres. (…).

Contador de histórias: (…) Essa fragrância conta a história de um jovem homem urbano. A cidade é onde tudo acontece, e no epicentro, está a força interior de um homem no controle do seu destino. Ele faz o máximo com a infinidade de possibilidades oferecidas pelo seu ambiente para envolver personalidade, descobrir coisas intensivamente e atingir o sucesso. Neste contexto, ECHO o completa com a sensação de liberdade infinita. O visual apela para a emoção e os sentimentos. Para esse homem urbano, o frasco tem alma e pelo jeito que ele olha para o perfume Echo, ele remete a uma visão sensível e íntima do mundo que o rodeia. A vida passa a ser tão sensual e livre quanto em um sonho.

Mas melhor que tudo isso são as definições de aroma: fusão aromática de madeiras, manga gelada, artemísia prateada, acorde verde efervescente, sálvia hispânica, hedione, sândalo, timberol, patchouli noir, fava tonka, laranja de mandarim, rosa de maio, elemi, gengibre, almíscar, lima, hortelã, bergamota, cardamomo, lavanda, flor de laranjeira, canela, cuminho, cedro, âmbar, baunilha, pimenta, noz-moscada, pimenta preta, camurça, e o melhor de todos: ar líquido fresco e puro!!!

Declaração

junho 20, 2006

Houve uma época em que era obrigatório. Desde 1943 ele não existe em Portugal e aqui no Brasil seu uso é meio disperso. Em 1995 foi aprovado em nosso Congresso o “Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa”, que abole o trema, mas o texto não entrou em vigor. Pelo menos um jornal de grande circulação não o usa e boa parte da população também não. Isso me leva a concluir que daqui a algum tempo ninguém vai se lembrar de tão simpático sinal.

É uma pena, pois o trema sempre esteve presente nos livros de português pra nos ajudar a diferenciar “gue” de “güe” e “qui” de “qüi”, por exemplo. Gosto também talvez porque quase ninguém o utilize. Assim como o acento grave, aquele da crase, mas esse o pessoal não usa direito porque não sabe. Outra coisa que não têm usado com freqüência (olha o trema aí) é o travessão. Hoje todos os diálogos são indicados com aspas. Mania feia.

Vou fundar o Movimento Viva o Trema. Faremos passeatas na avenida Paulista. Quero um artista popular para criar nossa canção oficial. Crianças vestirão roupas com bolinhas, pessoas terão antenas e chamaremos a atenção da população para este tema tão importante.

Quanto custa?

junho 18, 2006

O novo monólogo de Michel Melamed e segundo espetáculo de sua trilogia brasileira, Dinheiro Grátis, nos mostra que o dinheiro pode sim comprar tudo. A platéia, dividida em dois grupos – civilização e barbárie – interage com o espetáculo o tempo todo, participando de todos os leilões que Melamed promove ao longo do espetáculo.

Desde o início, o ator assume a postura de uma espécie de humorista, promovendo algo que se assemelha a uma stand-up comedy. Rapidamente a platéia entra no clima deste formato de fácil aderência, e então começa a pancadaria. Sutilmente, vamos sendo conduzidos a uma visão extremamente crítica, sarcástica e bem-humorada sobre a sociedade vendida em que vivemos. E nós, o público, classe média-alta freqüentadora de teatro, começamos a nos enxergar nas situações propostas que ele conduz com maestria e irreverência.

Longe de ser maniqueísta ou revolucionário, o objetivo do espetáculo não é apontar soluções ou servir de estopim para qualquer tipo de movimento. Essa ingenuidade passa longe da genial concepção da peça. O objetivo é realmente colocar o dedo numa ferida exposta e nos mostrar que, apesar dos curativos que colocamos, ali ainda há uma ferida que sangra muito. E Melamed consegue.

Os 120 Dias de Sodoma

junho 18, 2006

Se tivesse que usar uma única palavra para definir Os 120 Dias de Sodoma, a mais nova adaptação dos Satyros para um texto do Marquês de Sade, certamente a palavra seria coragem. Muito mais ousada do que a adaptação anterior, A Filosofia na Alcova, este novo espetáculo conta a história de quatro libertinos que se isolam em um castelo por 120 dias para se dedicarem puramente à satisfação de seus prazeres. Para isso, arrebanham uma porção de garotos e garotas virgens que serão suas vítimas durante este período, além de duas “contadoras de histórias” do submundo e quatro “fodedores”, que serviriam de algozes e mantenedores das leis instauradas dentro do castelo.

“120 Dias” supera a “Filosofia” em quase todos os pontos. A visão política e cáustica de Sade é muito mais transparente e aqui passa a ser o fio condutor da história, inclusive desenhando um paralelo excelente com a realidade brasileira, a escolha do Espaço dos Satyros Dois, que é bem mais versátil que o Um, permite uma disposição de público interessante e que enriquece muito as cenas, a produção é mais caprichada e sem os exageros da montagem anterior e a participação do público é menos lúdica e mais incômoda, totalmente pertinente com a mensagem da peça.

O único ponto em que a “Filosofia” ainda supera os “120 Dias” é justamente no quesito choque: lá o “sadismo de Sade” mostra-se ainda mais forte, o espetáculo é bem mais vertiginoso, mais intenso. Enquanto a peça atual é muito mais catártica, a primeira era muito mais claustrofóbica e perturbadora. Sem dúvidas, são dois grandes espetáculos, mas prefiro muito mais este segundo.

Manifesto em prol da teatralidade

junho 15, 2006

Tem faltado teatralidade no teatro. É paradoxal, mas é isso que está acontecendo com o teatro comercial paulistano. Ultimamente eu tenho visto vários espetáculos em que a linguagem do teatro, que é o que deveria impulsioná-lo, tem ficado em segundo plano, dando lugar à linguagem televisiva, que é uma espécie de câncer dos palcos.


Um exemplo claro disso que estou falando é a peça Até que o virtual nos ampare, em cartaz no Centro da Terra (by the way, boa escolha de teatro: na minha opinião, quanto menor, melhor). Com produção caprichadinha e elenco honesto, conta a história de uma mulher bem-sucedida economicamente, mas emocional e afetivamente carente, e que encontra na internet seu refúgio. O enredo em si já tem um porém: o fato de ser bastante datado, uma vez que o booom da internet já passou há algum tempo e hoje a questão dos relacionamentos virtuais já está alguns passos à frente do que é apresentado em cena. Mas a tentativa ainda sim é válida, e o questionamento do virtual versus real ainda é válido, apesar da exploração aquém do que o tema permite.

Mas o grande problema da peça é a linguagem da TV: discussões de casal no melhor estilo de novela das oito, uma personagem espalhafatosa com trejeitos no melhor estilo Caco Antibes em Sai de Baixo, e um mordomo que, ao falar com a amiga no telefone, é a versão masculina (ou nem tanto) da protagonista da sitcom A Diarista.

E para amarrar a saladinha televisiva, o roteiro possui uma fragmentação de cenas que beneficiam muito pouco a dinâmica do teatro. Como resolver isso, uma vez que normalmente não é possível editar uma peça da mesma forma como se edita um videotape? Simples: usando o bom e velho recurso da muleta cênica, que no caso desta peça tem a forma de cubos modulares, que se montam e desmontam compondo cenários.

Eles causam um efeito estético e lúdico bastante interessante, mas se analisarmos, são um ponto de apoio necessário para que cada mudança de cena faça sentido, e para que os atores tenham algo para fazer no palco – na TV é muito mais fácil quando a câmera focaliza apenas no rosto, e não nas ações (ou falta de ações) do corpo todo…

Enfim, falta teatro. Não só nesta peça, mas na maioria das peças em cartaz na cidade, sobretudo as comerciais. Falta transportar o público fisicamente para um outro mundo, não torná-lo telespectador de uma novela ao vivo. Linguagem de teatro não é apenas empostar a voz e utilizar movimentos e posições de cena específicos. É fazer com que o público não se sinta como se estivesse vendo uma história coreografada, mas sim transportado para dentro desta história de alguma forma.

Quando o Teatro da Vertigem coloca o público num barco no rio Tietê eles não querem chamar atenção, eles querem que o público entre no espetáculo, literalmente. Quando os Satyros encenam qualquer espetáculo em seu teatrinho claustrofóbico, eles não querem que o público seja espectador, mas cúmplice daquilo que está acontecendo, mesmo que sejam as mais absurdas e obscuras perversões do Marquês de Sade. Quando Zé Celso promove seu carnaval cênico no Teatro Oficina, ele não quer uma putaria generalizada, ele quer que o público seja parte integrante de sua arte. Até mesmo quando Felipe Hirsch utiliza seus recursos cinematográficos e suas trilhas espetaculares, ele os usa como recursos estéticos para embelezar um trabalho que é essencialmente teatral. E todo trabalho essencialmente teatral precisa ter a cumplicidade do público, porque sem a cumplicidade do público, surge a chamada quarta parede, e o teatro passa a ser apenas uma telenovela ao vivo. E então deixa de ser teatro.

Anotações para meu próximo filme

junho 15, 2006

essas mulheres são perigosas.
Publicitário desavisado provoca a ira da terrível Maçonaria das Revendedoras de Tupperware, uma espécie de Opus Dei com tampa colorida. A organização prepara sua retaliação.

Ao colocar os pés para fora da agência onde trabalha, é surpreendido por um carro com vidros escuros que passa, abre o vidro e lança milhares de potinhos nos mais variados formatos. Ele morre na hora, soterrado.

A imprensa sensacionalista noticia: “Publicitário morre após ataque de facção criminosa secreta. O corpo se manteve preservado por horas e sem perder o calor.”