Então eu estava no Rio de Janeiro e fui assistir Tropa de Elite pra dar o tempo de ir pro aeroporto. No saguão do cinema, em um shopping no Botafogo, tive minha parcela de violência carioca em uma situação no mínimo inusitada (leia aqui). Depois assisti à cinematografização da violência que acontecia a alguns bairros dali.
Ouvi uma galera chamando o filme de fascista e tudo mais, mas confirmei o que eu imaginava: o filme não é nada disso, minha gente. Excelente a atitude de falar da corrupção da polícia, de mostrar uma polícia sem bom-mocismo e sem o aspecto ingênuo que insistimos em imaginar, ainda que saibamos que não é real. Acontece que apesar do mérito de levantar essa questão, o filme é fraco pacaraio.
Já me disseram também que é maniqueísta, o que não é inteiramente verdade. Fica claro que o maniqueísmo é por conta da personagem central, interpretada pelo Wagner Moura – e até aí tá ótimo. O problema é quando o raciocínio primário do personagem se torna a bandeira levantada pelo filme. A polêmica cena da passeata pela paz mostra muito bem isso: o que vemos ali não é a visão da personagem, mas o discurso que o filme efetivamente encampa, do início ao fim.
Então tá: a sociedade hipócrita financia o tráfico e a corrupção ao mesmo tempo em que os repudia com campanhas demagógicas, né? Mas será que é só isso, simples assim? Acho que não. Só que não vi na tela nenhuma outra face dessa moeda, nem mesmo em forma de provocação. É como se o filme comprasse – de fato – a única face da moeda que nos apresenta. Uma pena, porque isso esvazia a execução de uma grande idéia e uma grande denúncia, deixando-as primárias (ao menos para mim, que acredito que a população só é cúmplice do tráfico quando há a necessidade da existência um tráfico, mas isso é assunto pra outra discussão).
Mas relevando esse ponto, a construção dos personagens também é superficial e mal conduzida. A relação do capitão Nascimento com a família e o trabalho são nítidos, mas pouco se fala das conseqüências deste conflito, que deixa de ser subtexto para ser apenas pretexto. O mesmo acontece com o aspirante-acadêmico Matias – link entre as duas realidades mostradas no filme – que é apenas apresentado quando teria grande potencial para ser um fio condutor (talvez muito melhor que o do próprio Nascimento). Mas aí é critério do roteirista.
E por falar em acadêmico, o que é esse Foucault enxertado à força no meio do filme? Não adianta dizer que poderia ter sido qualquer obra de qualquer autor que daria o mesmo resultado. Mencionar um autor que fala essencialmente sobre relações de poder em um filme como esse é assumir, automaticamente, a carga simbólica que sua obra representa. Se a opção era dialogar com Foucault, o autor ficou falando mas o diretor e o roteirista não ouviram muito. Se era dialogar por dialogar, era melhor ter escolhido qualquer outra pessoa.
E fica por fim o ponto mais crítico para mim, que sempre costumo buscar – sobretudo no teatro, mas também no cinema -, que é a questão da linguagem. Esteticamente o filme me pareceu um “Cidade-de-Deus-wannabe“, com muitos toques de Nascido para Matar, do Kubrick. Acontece que Cidade de Deus é uma obra infinitamente mais bem-resolvida, tanto em termos estéticos como, principalmente, em termos de roteiro. Full Metal Jacket eu não preciso nem comentar, né? Já Tropa de Elite é, para mim, cinema “me too”, se apropriando de coisas dos outros que já deram certo em uma empreitada ambiciosa e de pouca personalidade.