Archive for julho, 2006

Formiguinhas

julho 31, 2006

O pessoal do Teatro da Vertigem, no início do processo de produção de seu mais recente espetáculo (BR-3), se instalou por algum tempo na favela da Brasilândia, na periferia. Para eles, era uma experiência socio-antropológica riquíssima para os estudos do projeto que visava compreender a identidade brasileira. Para a comunidade, a arte veio como um corpo estranho e ofereceu às pessoas uma oportunidade de interagir com um universo inteiramente novo e enriquecedor.

Agora é a vez da companhia de teatro Os Satyros fazerem uma experiência similar. No passado, quando eles optaram por instalar seu Espaço dos Satyros na praça Roosevelt, a mesma citada no post abaixo, eles precisaram se adeqüar à realidade da região, que na época era dominada por traficantes. Dialogaram, conseguiram conquistar seu espaço, abriram o Espaço dos Satyros Dois na mesma praça e hoje a região é uma ilha intelectual no centro da cidade (ameaçada, mas é). Então agora surge um novo desafio: abrir o Espaço dos Satyros III na Comunidade Pantanal, favela situada na região leste da cidade.

É por essa dedicação, paixão e coragem que esse pessoal merece todo o apoio do mundo.

Outra vez a Roosevelt

julho 28, 2006

Existe no Centro uma igreja chamada Igreja da Consolação, bem no começo da rua que leva o mesmo nome. Atrás dessa igreja existe uma praça, chamada Roosevelt, que até bem pouco tempo era um território proibido para aqueles com muitos pudores ou com um pouco de temor por sua segurança. Essa praça sem árvores sempre foi reduto de travestis, traficantes, prostitutas e toda a fauna que lhe é comum. O ambiente foi, inclusive, muito bem retratado pela dramaturga alemã Dea Loher, que morou na região durante algum tempo, na peça “A Vida na Praça Roosevelt”, encenada pelo grupo Satyros, que também está presente ali.


Outro dia, por curiosidade, subimos na praça. Sim, subimos. Quem apenas a vê de fora, pela rua da Consolação ou pela passagem subterrânea, não sabe que a praça é suspensa. Debaixo dela existe uma marquise, um supermercado e uma banca de flores. Pega-se uma rampa e com pouco esforço descobre-se o grande monumento ao invisível. Lá em cima só existe concreto, uma espécie de palco, passagens largas e o vazio. Rodeada pelos prédios, é um belíssimo cenário urbano.

Ao contrário do Memorial da América Latina – outro monumento ao invisível, também espécie de praça sem árvores e grande espaço desperdiçado – não tem uso. Curiosamente não havia pixações e tampouco os sinais de caos comuns a essas áreas esquecidas do Centro, talvez porque ninguém se atreva a entrar ali. Subimos à noite, ficamos por lá um tempo e fomos retirados pela polícia, que a fecharia pouco depois.

Hoje a grande discussão em torno da praça é sua demolição, pois existe o projeto de construção de um shopping center. Me pergunto qual é a razão da construção do shopping ali, tendo em vista que já existem dois nas proximidades e um terceiro também já está projetado. Em pouco tempo teremos quatro estabelecimentos num raio de poucos quilômetros. Desculpas para a criação do shopping são várias e são as mesmas usadas para a instalação de um hipermercado poucas quadras acima: revitalização, aumento do fluxo de pessoas, segurança, valorização dos imóveis etc.

Essa é uma visão bastante classe média da realidade, pois, segundo ela, a revitalização só acontece com um shopping center ou um hipermercado. Eu diria que a revitalização já está acontecendo há um bom tempo. A construção do shopping não vai revitalizar a área, mas sim mudá-la completamente. Por mais que o empreendimento esteja preocupado em manter o caráter básico do local – ouvi que prometeram um espaço para o supermercado e outro para a banca de flores, veja só – o ambiente muda de forma completa.

Antes da construção do shopping Pátio Higienópolis, a poucos minutos de caminhada da Roosevelt, aconteceu uma discussão parecida. O bairro nobre não precisava de revitalização, segurança ou valorização dos imóveis, mas os moradores temiam o aumento do fluxo de pessoas e a demolição de antigos casarões. Naquela época, há sete anos, a incorporadora saiu-se com uma solução parecida e manteve dois desses casarões intactos.

Um shopping, porém, é algo próprio de bairros residenciais/comerciais de classe média ou alta. Sua instalação numa região como a da praça é especulação, maquiada com a história da revitalização. A Prefeitura adora a idéia e os impostos que vai recolher e aceita com facilidade, não se importando com o possível pólo cultural em criação ali e com os problemas que surgirão em seguida. A grande parcela da população também fica eufórica com a construção de mais um lugar seguro para passear e fazer compras e assim abre mão cada vez mais de tomar a cidade para si.

Num primeiro momento fui favorável à demolição da praça para a construção em seu lugar de algo que realmente remeta à idéia de praça, com grama, árvores e bancos. Depois, pensando um pouco, mudei de opinião. A praça sem árvores está ali há tanto tempo que já é, sem dúvida, parte da cidade e daquele cenário. O melhor uso da estrutura na forma como ela é hoje deveria ser apoiado por todos, e não a sua transformação em mais um péssimo exemplo de sobreposição desenfreada e impensada.

Biblioteca Básica

julho 27, 2006


Conhecemos Jane Fonda como atriz e ativista, feminista e esposa, guru da ginástica e exemplo a ser seguido. Em “Minha Vida Até Agora” ficamos sabendo de detalhes íntimos e experiências pessoais dessa mulher de atitude, que nem esconde os pés de galinha. Ela não tem medo do Photoshop.

Agenda Cultural

julho 25, 2006


Verá New Order e Underworld numa segunda e terça seguidas? Haja resistência e dinheiro. Vou de Daft Punk numa sexta!

Atualização: as datas estavam estranhas e erradas. Os dias são 27 e 29 de outubro, sexta no Rio e domingo em São Paulo.

Sai Verinha, entra Aninha

julho 24, 2006

Biblioteca Básica

julho 21, 2006


Hoje proponho a leitura de “Educação: Pelo amor de Deus!”, escrito por Antônio Ermírio de Moraes e com uma das piores capas da última safra.

Favorite Person

julho 19, 2006

“Você é a pessoa favorita de alguém?”. Um pesquisador pára pessoas na rua e faz essa pergunta no curta escrito por Miranda July, a mesma de “Eu, você e todos nós”, dum post abaixo. As respostas podem ser surpreendentes. Você já se fez a pergunta?

Are You The Favorite Person of Anybody?
EUA, 2004, 4 minutos
Diretor: Miguel Arteta
Com Miranda July, John C. Reilly e outros

Aqui.

Diálogos do Cotidiano

julho 17, 2006

Sábado à tarde, fila de um museu, duas senhorinhas de branco medindo a pressão das pessoas que aguardavam pacientemente por sua vez de entrar. Meia hora mais tarde, dentro do museu, encontro as mesmas velhinhas olhando para um texto de Guimarães Rosa escrito em uma pilha de tijolos:

– Ô gente mais louca! Imagina só! Pegar uma fila daquelas só pra ver isso!
– Hahahahahahahahahahaha.
– Xiiiii, liga não fio. Nóis é tudo veia gozadora!

Uma tarde, três museus

julho 17, 2006

Ontem decidi dar uma volta pela cracolândia, região degradada do centro de São Paulo que está renascendo como um dos mais importantes pólos culturais da cidade. Deixei o carro no estacionamento da fabulosa Sala São Paulo, uma das melhores salas de concerto do mundo, construída onde antes era o jardim de uma estação de trem (que ainda funciona), e que hoje é a residência da Orquestra Sinfônica do Estado. Por lá comecei meu passeio.

A primeira parada foi a Estação Pinacoteca, irmã caçula da Pinacoteca do Estado. Algumas exposições importantes em um prédio muitíssimo bem conservado, mas não consegui ficar ali dentro por muito tempo. Sou absolutamente cético para qualquer tipo de coisa sobrenatural, mas a energia negativa que há naquele prédio é muito forte, afinal ali era o escritório do Departamento de Ordem Política e Social durante a ditadura militar. Ali foram presos, torturados e mortos alguns dos personagens mais notáveis da resistência à ditadura. Passei pelas exposições sem conseguir dar atenção a elas e nem às obras – entre elas, Antropofagia de Tarsila do Amaral e alguns esboços de Pablo Picasso – depois desci até o térreio para visitar o Memorial da Liberdade, instalado em quatro celas do antigo cárcere e montado para não apagar a história daquele tenebroso edifício.

Dali, passei pela Pinacoteca do Estado. Como sempre acontece quando vou lá, a arquitetura do edifício acaba chamando mais minha atenção do que as obras ali expostas. Comecei inclusive a questionar se tudo aquilo que ali dentro é realmente arte, e se a importância artística das obras será sempre válida ou depois de algum tempo passa a se tornar apenas história. Não consigo considerar, por exemplo, uma exposição de prataria da Bahia como arte. Para mim aquilo é história, e precisa sim ser lembrada. Mas arte definitivamente acho que não é.

De lá, atravessei a rua e finalmente entrei no museu que era meu objetivo principal deste passeio: o Museu da Língua Portuguesa, instalado dentro da histórica estação da Luz. E que lugar! O MLP é um museu como os museus brasileiros ainda não aprenderam a ser, ou ao menos não haviam aprendido até então. Assim como nossa língua, é um museu vivo, interativo, muito bem equipado e organizado. Ali há uma grandiosidade e uma qualidade impressionantes em todas as atrações, com projeções que ocupam andares inteiros, painéis multimídia abarrotados de informações sobre nossa língua, e salas interativas que mais parecem instalações de grandes exposições de arte do que atrações fixas de museu. E para a primeira exposição temporária do museu, não poderia haver homenagem melhor para ser feita do que a João Guimarães Rosa.

Me impressionou a quantidade de gente, sobretudo de crianças, se amontoando e fazendo fila para ler trechos do Grande Sertão Veredas, em uma exposição absolutamente interativa e lúdica, onde é possível até mesmo ler toda a obra com as marcações do autor. Ontem infelizmente não consegui me envolver muito porque estava extremamente lotado – não sei bem porque, mas ontem a entrada era gratuita. Mas é um passeio obrigatório.

Na volta, já no final da tarde, deslumbrado com o magnífico lugar que tinha acabado de conhecer, voltei à realidade: no caminho de volta da estação da Luz até o estacionamento da Sala São Paulo, presenciei dois policiais abordando um menor de idade viciado em crack, e mais adiante, dois policiais agredindo uma moradora de rua, visivelmente também entorpecida. Então me lembrei que estava em uma região que ainda é uma das mais deterioradas do centro histórico de São Paulo.

Centro Nervoso (ou a peça em torno do umbigo)

julho 9, 2006


A tal da décima-quinta peça de Fernando Bonassi (e primeira dele na posição de diretor) não é exatamente o que podemos chamar de teatro. Existem lá sim vários elementos teatrais: atores, uma espalhafatosa e bela cenografia, iluminação primorosa, um teatro super bem-equipado e existe uma platéia lotada – embora essa também não seja exatamente uma platéia ideal, mas que mesmo assim continua sendo uma platéia. Apesar de ter tudo isso, falta o mínimo que se espera para que o teatro seja considerado teatro: dramaturgia. Nesse ponto, Mário Bortolotto fez um comentário em seu blog (Atire no Dramaturgo) que merece ser citado:

(…) Não vou assistir “Centro Nervoso” do Bonassi porque não considero o que ele escreve como “Dramaturgia” embora muitos críticos achem o máximo. E eu não tenho nada pessoal contra o Bonassi, mas acho que aquilo lá é lista de compras. “(…)Vende-se um grito ajustado. Um grito pacato. Vende-se um grito fedido, humilhado e jogado de lado, como um cachorro fodido é chutado. Trata-se de um grito atávico, hermético extático. Um grito patético, dramático, político e poético (…)“. É mesmo, é? Até onde vai isso? Eu é que não vou saber porque não vou lá ver isso. (…)

Não é sempre que eu concordo com o que Bortolotto diz, mas aqui ele tem toda a razão. Aquilo ali é qualquer coisa, menos dramaturgia. São simplesmente quatro atores declamando textos de Bonassi. Nem monólogos são, pois a maioria dos textos nem mesmo têm personagens, a não ser que o único personagem em questão seja o próprio Bonassi. Alguns textos até são interessantes, mas na forma de texto, nunca na de teatro.

Mas a idéia de fazer o programa da peça no formato de um livrinho com o texto na íntegra é muito boa, muito boa mesmo. Eu que faço teatro e vejo muitas peças, adoraria que todo espetáculo que eu visse tivesse a mesma iniciativa. No caso específico da peça de Bonassi, o que eu gostaria mesmo era que esse livrinho trouxesse um texto verdadeiramente teatral…