Existe no Centro uma igreja chamada Igreja da Consolação, bem no começo da rua que leva o mesmo nome. Atrás dessa igreja existe uma praça, chamada Roosevelt, que até bem pouco tempo era um território proibido para aqueles com muitos pudores ou com um pouco de temor por sua segurança. Essa praça sem árvores sempre foi reduto de travestis, traficantes, prostitutas e toda a fauna que lhe é comum. O ambiente foi, inclusive, muito bem retratado pela dramaturga alemã Dea Loher, que morou na região durante algum tempo, na peça “A Vida na Praça Roosevelt”, encenada pelo grupo Satyros, que também está presente ali.
Outro dia, por curiosidade, subimos na praça. Sim, subimos. Quem apenas a vê de fora, pela rua da Consolação ou pela passagem subterrânea, não sabe que a praça é suspensa. Debaixo dela existe uma marquise, um supermercado e uma banca de flores. Pega-se uma rampa e com pouco esforço descobre-se o grande monumento ao invisível. Lá em cima só existe concreto, uma espécie de palco, passagens largas e o vazio. Rodeada pelos prédios, é um belíssimo cenário urbano.
Ao contrário do Memorial da América Latina – outro monumento ao invisível, também espécie de praça sem árvores e grande espaço desperdiçado – não tem uso. Curiosamente não havia pixações e tampouco os sinais de caos comuns a essas áreas esquecidas do Centro, talvez porque ninguém se atreva a entrar ali. Subimos à noite, ficamos por lá um tempo e fomos retirados pela polícia, que a fecharia pouco depois.
Hoje a grande discussão em torno da praça é sua demolição, pois existe o projeto de construção de um shopping center. Me pergunto qual é a razão da construção do shopping ali, tendo em vista que já existem dois nas proximidades e um terceiro também já está projetado. Em pouco tempo teremos quatro estabelecimentos num raio de poucos quilômetros. Desculpas para a criação do shopping são várias e são as mesmas usadas para a instalação de um hipermercado poucas quadras acima: revitalização, aumento do fluxo de pessoas, segurança, valorização dos imóveis etc.
Essa é uma visão bastante classe média da realidade, pois, segundo ela, a revitalização só acontece com um shopping center ou um hipermercado. Eu diria que a revitalização já está acontecendo há um bom tempo. A construção do shopping não vai revitalizar a área, mas sim mudá-la completamente. Por mais que o empreendimento esteja preocupado em manter o caráter básico do local – ouvi que prometeram um espaço para o supermercado e outro para a banca de flores, veja só – o ambiente muda de forma completa.
Antes da construção do shopping Pátio Higienópolis, a poucos minutos de caminhada da Roosevelt, aconteceu uma discussão parecida. O bairro nobre não precisava de revitalização, segurança ou valorização dos imóveis, mas os moradores temiam o aumento do fluxo de pessoas e a demolição de antigos casarões. Naquela época, há sete anos, a incorporadora saiu-se com uma solução parecida e manteve dois desses casarões intactos.
Um shopping, porém, é algo próprio de bairros residenciais/comerciais de classe média ou alta. Sua instalação numa região como a da praça é especulação, maquiada com a história da revitalização. A Prefeitura adora a idéia e os impostos que vai recolher e aceita com facilidade, não se importando com o possível pólo cultural em criação ali e com os problemas que surgirão em seguida. A grande parcela da população também fica eufórica com a construção de mais um lugar seguro para passear e fazer compras e assim abre mão cada vez mais de tomar a cidade para si.
Num primeiro momento fui favorável à demolição da praça para a construção em seu lugar de algo que realmente remeta à idéia de praça, com grama, árvores e bancos. Depois, pensando um pouco, mudei de opinião. A praça sem árvores está ali há tanto tempo que já é, sem dúvida, parte da cidade e daquele cenário. O melhor uso da estrutura na forma como ela é hoje deveria ser apoiado por todos, e não a sua transformação em mais um péssimo exemplo de sobreposição desenfreada e impensada.